domingo, 27 de março de 2011

Memórias...

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

"Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria, vivia. Viver não é a mesma coisa de morrer; assim o afirmam todos os joalheiros desse mundo, gente muito vista na gramática. Bons joalheiros, que seria do amor se não fossem seus dixes e fiados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações. Esta é a reflexão imoral, porque não se entende bem o que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que a mais bela testa do mundo não fica menos bela, se a cingir um diadema de pedras finas; nem menos bela, nem menos amada. Marcela, por exemplo, que era bem bonita, Marcela amou-me...
...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos." 

Adoro esse livro. Quando penso em realismo é o livro que me vem a cabeça.

C.

sábado, 5 de março de 2011

Olhai os lírios do campo...e só...


Olhai os lírios do campo - Erico Verissimo

"Eugênio viu um vulto familiar surgir a uma esquina e sentiu um desfalecimento. Reconheceria aquela figura de longe, no meio de mil... Um homem magro e encurvado, malvestido, com um pacote no braço, o pai, o pobre Ângelo. Lá vinha ele subindo a rua. Eugênio sentiu no corpo um formigamento quente de mal - estar. Desejou - com que ardor, com que desespero! - que o velho atravessasse a rua, mudasse de rumo. Seria embaraçoso, constrangedor se Ângelo o visse, parasse e o dirigisse a palavra. Alcibíades e Castanho ficariam sabendo que ele era filho dum pobre alfaiate que saía pela rua a entregar pessoalmente as roupas dos fregueses... Haviam de desprezá-lo mais por isso. Eugênio já antecipava o amargor da nova humilhação. Olhou para os lados, pensando numa fuga. Inventaria um pretexto, pediria desculpas, embarafustaria pela primeira porta de loja que encontrasse. Ouviu a voz baixa e calma de Castanho...o 'conceito hegeliano...'. Podia entrar naquela casa de brinquedos e ficar ali escondido, esperando que Ângelo passasse...  Hesitou ainda um instante e quando quis tomar uma resolução, era tarde demais. Ângelo já os defrontava. Viu o filho, olhou dele para os outros e o seu rosto se abriu num sorriso largo de surpreendida felicidade. Afastou-se servil para a beira da calçada, tirou o chapéu.
 -Boa Tarde, Genoca! - exclamou
 O orgulho iluminava-lhe o rosto.
 Muito vermelho e pertubado, Eugênio olhava para a frente em silêncio, como se não o tivesse visto nem ouvido. Os outros também continuavam a caminhar, sem terem dado pelo gesto do homem.
 A sensação de felicidade, entretanto, desaparecera de Eugênio. Sentia-se culpado. O que acabara de fazer era desumano, ignóbil, chegava a ser criminoso. Por que se envergonhava do pai? Não era um homem decente? Não era um homem bom? Não era, em última análise, seu pai?
 Ainda havia tempo de reparar o mal que fizera. Podia voltar, tomar Ângelo pelo braço, carinhosamente, subir a rua com ele... Por que não fazia isso?'...aquele trecho do Banquete...', Dizia Castanho. Sim, beijar a mão do pai, confessar-lhe a culpa, dizer seu remorso, pedir-lhe perdão, humilhar-se. Mas lá se ia acompanhando os outros como um autômato. Voltou a cabeça, procurando. Ângelo tinha desaparecido."

A primeira vez que li esse livro, tinha por volta dos 7 anos. Onze anos depois da primeira leitura, essa passagem ainda me parece a mais marcante. Nunca me canso de ler... É sempre bom lembrar que nossas prioridades nos definem...e é algo com o qual teremos de lidar.

C.